Na sofrologia desvelamos a consciência. O que é isto de desvelar? “Des-velar” é tirar o véu. Convido-vos a aprofundar este conceito comigo…
Quando praticamos sofrologia, somos conduzidos por uma voz. Pode ser a voz de um sofrólogo que está connosco presencialmente, pode ser através de um áudio, ou simplesmente damos instruções a nós mesmos, usando a nossa voz interior. Essa voz modifica o nosso nível de consciência (algures entre a vigília desperta e o sono, que nós chamamos “nível de consciência Isocay”) e dá-nos instruções precisas com uma intencionalidade bastante específica, que difere de prática para prática.
A intencionalidade é uma característica importante porque é ela que direciona o que queremos procurar quando nos viramos para dentro e lidamos com um vasto campo de possibilidades. Nesse campo, tão rico e tão cheio de conteúdos, é-nos proposto encontrar algo. Dou um exemplo; “entre tantos momentos positivos que aconteceram na nossa vida, vamos descobrir um momento, no qual vivemos um profundo bem-estar”.
Como um motor de busca super potente e especializado, a nossa consciência vai fixar-se num momento entre tantos, e vai, de alguma forma, mostrar-nos isso. Algumas pessoas são mais visuais, outras mais cinestésicas, outras auditivas, ou uma mistura de tudo isto. Alguma experiência iremos ter, para uns mais subtil, para outros mais evidente.
Em vez de enchermos a consciência de conteúdos, muito simplesmente, descobrimos os conteúdos que a nossa consciência quer revelar e fazer emergir naquele momento.
Descobrir… A palavra descobrir é como desvelar. “Des-cobrir” é tirar a coberta, como se entrássemos numa casa há muito fechada e alguém tivesse colocado lençóis por cima dos móveis para os proteger do pó. O “motor de busca” vai ser como uma lanterna dentro daquela casa que vai apontar para um dado móvel e convidar-nos a tirar o lençol para apreciarmos aquela obra.
Portanto, quando entramos na nossa própria casa, ou seja, no nosso mundo interior, não precisamos encher este espaço com mais conteúdos. Quantas meditações nos convidam a um mergulho profundo, sem darem espaço para os fenómenos acontecerem? Quantas vezes somos convidados a pensar no “passarinho azul” quando a nossa consciência nos quer mostrar algo completamente diferente?
Frequentemente, quando nos viramos para dentro, habituamo-nos a que nos digam o que encontrar, ou pior ainda, levamos connosco na bagagem o que é suposto encontrarmos, matando a surpresa. Não admira que se perca o interesse. Deixamos de ser curiosos. Para quê usar “o motor de busca” se já sabemos o que vamos encontrar?
Vivemos num tempo em que consumimos conteúdos o tempo todo. Somos altamente estimulados para um consumo constante e o mundo exterior é um fornecedor ativo que nos direciona para esse fim. Vemos os adultos a entupirem as crianças de conteúdos, sem lhes darem a oportunidade de revelarem o que têm para oferecer. Vemos os jovens a alienarem-se, atrás da tecnologia, para evitarem esse encontro profundo consigo mesmos. Corremos o risco de virarmos um sub-produto normalizado do mundo exterior, sem nunca percebermos o que nos distingue uns dos outros. O que nos destaca vive em nós como um diamante bem guardado. Conto-vos uma história…
“Uma antiga lenda indiana conta que, no princípio, todos os homens e mulheres eram deuses. A dada altura, eles começaram a abusar dessa condição divina e Brahma, o mestre dos deuses, tomou a decisão de lhes retirar o poder divino e escondê-lo até que fossem merecedores de encontrá-lo e de assumirem novamente a sua forma de deuses. Mas qual seria o esconderijo perfeito? Alguns deuses sugeriram que Brahma escondesse a divindade humana nas profundezas da terra. Mas Brahma anteviu que a vontade do Homem o faria escavar toda a superfície terrestre e logo encontraria o tesouro sem ainda estar pronto para isso. Outros, sugeriram que Brahma escondesse no fundo do oceano. E Brahma novamente recusou. A inteligência do Homem seria capaz de levá-lo ao fundo do mar. Sem saber como resolver a situação, Brahma pediu ajuda ao grande deus Shiva, que encontrou uma solução: esconder a divindade nas profundezas do próprio Homem. Este iria remexer a terra, o mar e o céu mas a última coisa que se lembraria seria conhecer-se a si mesmo”.
Sempre que praticamos sofrologia não acrescentamos nada. Revelamos o que já lá está desde sempre, que é muito rico, muito completo e merece ser contemplado.
Somos como Michelangelo que levou dois anos a esculpir David, com quase 5 metros de altura, a partir de um único bloco de mármore. Quando lhe perguntaram como o tinha feito, Michelangelo disse que tinha sido fácil. Primeiro contemplou o mármore até ver David. Depois pegou no cinzel e no martelo e tirou tudo aquilo que não era David. Assim nasceu a obra, sem nada a acrescentar.

Pegando no exemplo que dei antes, depois da pessoa procurar um momento positivo no seu passado, no qual sentiu bem-estar, ela vai descrever ao sofrólogo o que é que encontrou. A pessoa, quando sai daquela casa há tanto tempo fechada, conta ao sofrólogo quais foram os móveis que encontrou debaixo dos lençóis, descrevendo os fenómenos que experimentou, as sensações ao nível do seu corpo, ao nível da sua mente, das suas emoções. O sofrólogo escuta e recebe todos aqueles conteúdos.
Naquele mergulho interior, descobriram-se muitos tesouros e o mergulhador quer mostrar o que trouxe consigo. É o momento da fenodescrição: a descrição dos fenómenos vivenciados que causaram mais impacto e chamaram mais a atenção. No início, é surpreendente para o praticante de sofrologia ter de fazer uma fenodescrição. Mas como não a fazer? É um momento de partilha muito importante.
É a vez do sofrólogo dar o feedback. Sem julgar ou interpretar os tesouros que recebeu da parte daquela pessoa, este é o momento do sofrólogo lembrar-lhe que mais do que os conteúdos descobertos, toda aquela viagem foi possível graças às suas capacidades.
David só existe graças ao Michelangelo. David é belo, sim, mas para o sofrólogo, a verdadeira beleza está em contemplar o artista, com todas as suas capacidades que só precisam ser treinadas e reforçadas. Mais do que a obra esculpida, valorizamos o escultor que consegue ver o diamante. Em vez de ficarmos aquém das nossas capacidades, dependentes dos conteúdos, valorizando-os mais do que deveríamos, com a sofrologia, reposicionamos o que é mais valioso e digno de ser contemplado: nós mesmos.
E deste modo, aos poucos, a Consciência desvela-se a si mesma.